Arquivos para Teoria da Constituição e Democracia

Divulgando artigo aprovado para apresentação e posterior publicação no XXIV Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI): “A crise da representação política a partir do ativismo judicial, do lobby e da corrupção da democracia”. O tema insere-se no grupo de trabalho “Teorias da democracia”. Eis o resumo:

O presente artigo tem por objetivo analisar a crise da democracia representativa partindo das três características clássicas do princípio representativo: 1) separação de poderes; 2) eleições; 3) publicidade. Quando um regime democrático não consegue respeitar esses princípios, tem-se uma crise nas instituições capaz de corromper por completo a democracia. Tomam-se como ponto de partida as considerações em torno das dificuldades que a representação política apresenta entre as vontades de representantes e representados, para, em seguida, analisar-se fenômenos que tendem a impactar negativamente aquelas três características elencadas: 1) o ativismo judicial; 2) o lobby; 3) a corrupção política. O texto conclui que: 1) o ativismo é postura inaceitável, eis que pautado em decisionismo contrário ao texto da Constituição; 2) o lobby pode ser atividade aceitável, desde que regulamentado e efetivado com contraditório e transparência; 3) a corrupção política causa profundo desequilíbrio na representação, eis que proporciona mais influência àquele que recebeu vantagens indevidas.

No segundo semestre a íntegra do texto estará disponível, para quem tiver interesse.


Normalmente, busca-se associar uma Constituição promulgada com a característica democrática em que ela teria sido elaborada. Nesse sentido, um texto outorgado, a saber, imposto pelo ditador de plantão, seria invariavelmente o oposto a um texto promulgado, associado a uma elaboração democrática, com participação do povo ou seus representantes, que votariam o texto da Constituição de maneira livre.

A Constituição de 1967 foi votada por um órgão que se denominava Assembleia Nacional Constituinte, composto por representantes de, pelo menos, parte do povo. No seu sintético preâmbulo, há o seguinte: “O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte”. Será que houve mesmo promulgação? Em caso positivo, essa promulgação pode levar à classificação da Constituição de 1967 como democrática?

Novamente, o tema explorado não se insere totalmente nos limites do Direito Constitucional. Aliás, este cada vez mais tem se aproximado das categorias da Ciência e Filosofia Política, notadamente quando se fala em poder, em especial o poder constituinte originário.

Essa aproximação visa à superação do formalismo constitucional, demandando uma leitura crítica do que está escrito no texto. Nesse sentido, a análise acerca do processo de elaboração da Constituição de 1967 deve começar a partir do ato que convocou a dita Assembleia Nacional Constituinte, qual seja, o Ato Institucional nº 04[1]. Eis seus principais trechos:

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1946, além de haver recebido numerosas emendas, já não atende às exigências nacionais;

CONSIDERANDO que se tornou imperioso dar ao País uma Constituição que, além de uniforme e harmônica, represente a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução;

CONSIDERANDO que somente uma nova Constituição poderá assegurar a continuidade da obra revolucionária;

CONSIDERANDO que ao atual Congresso Nacional, que fez a legislação ordinária da Revolução, deve caber também a elaboração da lei constitucional do movimento de 31 de março de 1964;

CONSIDERANDO que o Governo continua a deter os poderes que lhe foram conferidos pela Revolução;

O Presidente da República resolve editar o seguinte Ato Institucional nº 4:

Art. 1º – É convocado o Congresso Nacional para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967.

1º – O objeto da convocação extraordinária é a discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República.

(…)

Art. 8º – No dia 24 de janeiro de 1967 as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgarão a Constituição, segundo a redação final da Comissão, seja a do projeto com as emendas aprovadas, ou seja o que tenha sido aprovado de acordo com o art. 4º, se nenhuma emenda tiver merecido aprovação, ou se a votação não tiver sido encerrada até o dia 21 de janeiro.

Tal ato convocatório diz muito acerca do pretenso caráter democrático da Constituição de 1967. Na verdade, a fraude constituinte acima descrita é facilmente identificável: 1) como estabelecido no art. 1º, §1º, o projeto da Constituição foi enviado unilateralmente pelo Presidente da República; 2) a Assembleia tinha prazo curto e previamente determinado pelos militares para elaboração do texto; 3) para completar, o texto deveria ser promulgado na data fixada, mesmo que não houvesse tempo para apresentar eventuais emendas ao projeto (art. 8º). Além disso, a composição do próprio Congresso Nacional não era plural, ante a inexistência de partidos de esquerda, já perseguidos pelo regime.

Analisando esses pesados condicionamentos, é fácil constatar como a referência à expressão “promulgação” na Constituição de 1967 não deve ser levada a sério. De fato, votação houve, mas sob a autoridade de um regime que se arvorava na condição de revolucionário permanente, como se constata nos considerandos do AI 4. Mesmo não se tratando de uma outorga clássica, a saber, uma imposição exclusiva da Constituição pelo ditador, é certo que o procedimento adotado se aproxima muito mais de uma outorga do que de uma promulgação.

É certo que o poder constituinte originário é incondicionado, podendo tranquilamente superar os limites procedimentais ou substanciais impostos pelo ato que o convocou. Evidentemente, não foi o caso. No fundo, o que importa mesmo é analisar o que estava por trás da elaboração do texto e, para além de eventual dúvida sobre o caráter promulgado ou outorgado do texto, uma coisa é certa: democrático ele não foi, mesmo que formalmente promulgado. Novamente, é precisa a lição de Paulo Bonavides e Paes de Andrade, no clássico “História Constitucional do Brasil”, quando classifica o processo acima descrito como uma “fraude constituinte”.

“Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”.

 

[1] Texto integral: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=4&tipo_norma=AIT&data=19661207&link=s

Eis três textos sobre neoconstitucionalismo, especialmente destinados para os alunos da Pós-Graduação em Direito Constitucional e Tributário da UnP, tendo em vista o módulo de Teoria da Constituição que enfrentaremos nos próximos dias 02 e 16 de agosto. Em breve farei mais postagens sobre outros temas a serem abordados.

Luís Roberto Barroso – Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito;

Daniel Sarmento: O Neoconstitucionalismo no Brasil – riscos e possibilidades;

Lenio Streck: Contra o Neoconstitucionalismo;

A comparação entre os textos é riquíssima e nos ajudará a formar um juízo crítico sobre o tema.

Até sábado!