Arquivos para Opinião pública (ou meramente publicada?) e Democracia

Há cerca de duas semanas o Globo News Painel conduziu um debate entre o Ministro Carlos Ayres Britto, o Professor Oscar Vilhena e o Cientista Político Carlos Melo sobre diversos temas candentes da democracia brasileira, como o equilíbrio entre os poderes, as PEC´s 33 e 37, os excessos ou acertos do STF na edição de súmulas vinculantes e na prolação de decisões envolvendo questões como fidelidade partidária ou pesquisa com células tronco embrionárias. O vídeo pode ser visto aqui.

O Ministro Britto, mais uma vez, chama atenção pela sua erudição. Sua Excelência começou a fazer história no Supremo Tribunal Federal desde seu voto vencido no famoso HC nº 82.424, o caso “Ellwanger”. Naquela assentada, ele sustentou que a liberdade de expressão albergaria o discurso do ódio.

Vencido naquele caso, as teses do Ministro não tardariam a serem amplamente aceitas em diversas outras ocasiões, tais como no caso: 1) das pesquisas com células tronco embrionárias; 2) da união estável homoafetiva; 3) da não recepção da Lei de Imprensa, apenas para citar alguns exemplos de sua relatoria.

Com sua aposentadoria em 15 de novembro de 2012, o STF perdeu um grande humanista. Uma característica básica informou toda atuação do Ministro no STF: a constante luta pela concretização do constitucionalismo fraternal. A riqueza teórica de suas lições pôde ser constatada em sua participação no citado programa.

Logo no início, viu-se uma aula de teoria da Constituição com a diferenciação entre Poder Constituinte e Poder Constituído, sendo aquele o poder da nação e este o poder do povo. Sou daqueles que, no sentido da ampla maioria da doutrina constitucional brasileira, pensam que a Constituição de 1988, mesmo proveniente de uma Assembleia Constituinte não exclusiva, encarnou o Poder Constituinte. No entanto, tenho sérias dúvidas, como postas pelo Cientista Político Carlos Melo, no sentido de que um órgão assim concebido pode compreender os interesses de ontem, de hoje e de amanhã da sociedade brasileira, concretizando, assim, os maiores interesses da nação.

O debate deixou a desejar no enfrentamento de certos pontos altamente polêmicos, simplesmente comentados lateralmente. A defesa do Professor Oscar Vilhena sobre o atual modelo e o papel do STF na edição de súmulas vinculantes é incorreta. Para ele, o Congresso não pode restringir o procedimento para edição de tais súmulas, como se, num passe de mágica, aquela criação do próprio Constituinte Derivado, através da Emenda Constitucional nº 45, tivesse se transformado em cláusula pétrea.

É insubsistente a argumentação: mesmo que se sustente a possibilidade de o Congresso Nacional editar emendas cujo conteúdo possa se petrificar (tese controvertida na doutrina), não se pode negar um espaço de regulamentação e até mesmo de correção de rumo, no sentido de aprimorar um sistema que acabou concedendo poderes exagerados ao STF.

Outro ponto interessante mostra como a sociedade brasileira e, mais especificamente, a opinião pública vê o STF, necessariamente, como um templo de legitimidade e o Congresso como um antro de devassidão. O mediador, Jornalista Tonico Ferreira, apontou como uma das decisões emblemáticas daquela Corte o julgamento proferido na ADI 3510, o caso das células tronco embrionárias. Sem dúvidas, um dos principais casos analisados pelo STF, com um voto genial do Ministro Britto.

No entanto, as homenagens deveriam ser destinadas ao Congresso Nacional, o qual, num momento de grande iluminação, aprovou a Lei de Biossegurança. Alguém precisa informar à opinião pública, urgentemente, de que, nesse caso, o STF, simplesmente, manteve uma decisão tomada pelo Legislativo. A mencionada ADI foi julgada totalmente improcedente.

Por que o julgamento do STF em tal caso teve muito mais repercussão na opinião pública que a aprovação de tal Lei no Congresso? Este sim é um grave problema no nosso sistema de separação de Poderes: a perda de interesse da sociedade em acompanhar um debate legislativo, por mais problemático que ele seja.

O aumento do interesse popular acerca das decisões do STF é muito importante e bem vindo. Mas confesso que não concordo com aqueles que supõem ser a deliberação de nossa Suprema Corte tão superior assim à do Congresso. Como se sabe, o STF, não constrói uma decisão colegiada após amplo debate de fundamentos, afastando alguns e acolhendo outros. O que se tem, na verdade, é a soma de votos com fundamentos, muitas vezes, conflitantes, o que já seria suficiente para afastar completamente a teoria dos motivos determinantes, festejada por alguns que, acriticamente, subscrevem todas as lições do Ministro Gilmar Mendes. Se não se sabe qual motivo foi acatado pelo STF, como ele pode ser vinculante?

A superação dessa crise de deliberação é um dos principais desafios do STF.

Por fim, o Ministro Britto, grande frasista, ainda tratou de dizer que a aprovação da PEC-37 seria uma “hecatombe jurídica”.

Com o Relator. Ah, Ministro, como Vossa Excelência faz falta ao STF!