Uma das experiências mais ricas na docência é conseguir conjugar disciplinas normalmente mais dogmáticas, como Direito Constitucional, com outras predominantemente mais zetéticas[1], como Introdução ao Estudo do Direito. Neste semestre, retomamos nossos estudos introdutórios, indicando como ponto de partida o capítulo 1 da obra “Introdução à análise do Direito” do jusfilósofo argentino Carlos Santiago Nino.
Novamente, é um desafio ser professor de uma turma com 90 alunos, mas farei a minha parte ao analisar os temas fundamentais da disciplina, iniciando pela sempre embaraçosa questão: o que é Direito? Dimitri Dimoulis elenca nada menos de 18 definições diferentes em sua obra, obviamente num rol não exaustivo[2]. Hart, outro autor que analisaremos, inicia seu clássico “O conceito de Direito” elencando o mesmo constrangimento na definição de Direito, apontando como concepções positivistas (“o direito é a norma primária que estipula a sanção”) ou realistas (“as previsões sobre o que os Tribunais farão…são o que entendo por direito”)[3]
O positivismo, jusnaturalismo e o realismo jurídico serão temas centrais das nossas primeiras aulas. Essas teorias não devem intimidar os alunos iniciantes: após nossos primeiros encontros e a leitura, por exemplo, do texto de Carlos Nino, será possível apreender as linhas gerais de cada corrente.
Nino inicia sua abordagem enfrentando a mesma dificuldade dos autores antes mencionados. É difícil definir direito por diversos motivos, dentre eles o aspecto emocional envolvido na definição: o entendimento sobre tal objeto já diz muito sobre as próprias posições pessoais de cada um. Isso não quer dizer, obviamente, que não devamos buscar, o máximo possível, a neutralidade necessária para tal estudo, como diria Dimoulis[4].
Nessa linha, Nino apresenta as concepções de direito subjetivo, objetivo ou direito como ciência para, em seguida, apresentar algumas características do naturalismo, positivismo e realismo jurídico essenciais para se alcançar alguma aproximação possível para o conceito de Direito.
A abordagem não poderia ser mais didática: recorrendo ao famoso julgamento de Nuremberg, o qual teve por objeto a punição de oficiais alemães envolvidos com as práticas do Nazismo, o autor simula três perfis diferentes de juízes e como concepções morais podem (ou não) influenciar o julgamento e a compreensão do Direito em si.
Já é possível perceber, assim, como é importante o estudo da Moral para a compreensão do Direito. Citando novamente nosso autor inglês, Hart, tem-se que esse, o relacionamento entre Direito e Moral, é uma das “questões recorrentes” do Direito, juntamente com o estudo da coação e das próprias normas jurídicas e o ceticismo realista em torno destas.
Ao final do texto, Nino apresenta uma série de questões para fixação do conhecimento, o que, para mim, foi surpreendente: nunca havia visto isso num livro introdutório e, certamente, tal ferramenta auxiliará profundamente aqueles que demonstrem interesse pela leitura.
Eis alguns bons temas para início de conversa. Espero que a leitura seja proveitosa!
[1] Para uma distinção entre as concepções dogmáticas e zetéticas, ver “Introdução ao estudo do Direito”, de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Muito brevemente, enquanto a primeira concepção parte de certas premissas fixas e privilegia a resposta ou ação em torno de certos problemas, a segunda perspectiva enfatiza a dúvida e as perguntas em torno desse mesmo problema.
[2] Manual de introdução ao Estudo do Direito. Lição 1.
[3] O conceito de Direito, capítulo 1.
[4] Idem. p, 39.