A FORÇA DO PRECEDENTE DO STF COMO JUSTIFICATIVA PARA O CONHECIMENTO DE ADPF CONTRA ATO JUDICIAL

março 15, 2019 — Deixe um comentário

Nesta semana a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) retornou à pauta de debates a partir, especialmente, do seu objeto de controle, relacionado a ato judicial. Trata-se de ADPF ajuizada pela Procuradora Geral da República em face de decisão homologatória proferida pela Juíza Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba, o qual validara o “Acordo de Assunção de Compromissos”, firmado entre o Ministério Público Federal e a Petrobrás. Tal ação é uma espécie daquelas que deflagram o processo objetivo de controle de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, tendo um requisito específica e legalmente previsto para seu conhecimento: a inexistência de qualquer outro meio eficaz para sanar a lesividade ao preceito fundamental, nos termos do art. 4ª, §1º da Lei 9.882/99.

Este pequeno texto investiga os limites de tal regra em torno da subsidiariedade da ADPF, sustentando que é o efeito vinculante, especificamente, e não a eficácia contra todos da decisão do STF que justifica a interpretação de que a eficácia do outro meio deve ser buscada unicamente entre as ações de controle concentrado. Dito de outro modo: há diversas outras ações coletivas ou meios de impugnação das decisões judiciais que, no âmbito do controle difuso, também podem se configurar como meios eficazes para sanar eventual lesividade. A coisa julgada em tais ações pode apresentar eficácia contra todos, mas um precedente assim formado não possui a mesma força formal que um precedente do STF, justamente por lhe faltarem o aspecto vinculante. Há meios, assim, ainda mais eficazes, como a ADPF.

O texto desenvolve-se da seguinte forma. Inicialmente, será analisado se atos judiciais podem ser controlados através da ADPF, na exata medida em que poderia se cogitar de outros meios capazes de sanar a lesividade eventualmente cometida no pronunciamento judicial, como os mencionados recursos. O ponto de partida, assim, considera os limites do art. do art. 4ª, §1º da Lei 9.882/99.  Em seguida, um precedente do STF será analisado, perquirindo-se se há diferença relevante entre, por exemplo, o acórdão que admitiu a ADPF 101 e o presente caso. Conclui-se argumentando que a PGR agiu corretamente, ante a inexistência de qualquer outro meio eficaz de sanar a lesão aos preceitos fundamentais encontrados no mencionado ato judicial.

A Constituição não definiu precisamente o objeto de controle da ADPF, como o fez em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). A lei 9.882/99, por outro lado, apontou que tal ação é cabível para coibir lesão a preceito fundamental em face de ato do Poder Público (art. 1º) não detalhando quais espécies de atos seriam esses. Diante da restrição constitucionalmente prevista para o objeto da ADI (leis ou atos normativos federais ou estaduais) e da ADC (leis ou ato normativos federais), além das restrições criadas pelo próprio STF (não cabe ADI, por exemplo, em face de ato normativo anterior à Constituição de 1988) e, mais que isso, levando em conta a literalidade da regra legal, tem-se que, em princípio, qualquer ato pode ser objeto de controle pela ADPF, desde que, obviamente, viole preceito fundamental e reste adimplido o requisito da subsidiariedade.

Assim, até mesmo atos infralegais podem ser objeto de ADPF. A análise do controle dos atos infralegais é importante na medida em que se pensa nas ações coletivas que veiculam controle difuso de constitucionalidade, como a ação civil pública: tal ação pode impugnar ato administrativo que viole direitos fundamentais ou qualquer direito difuso ou coletivo, podendo-se, ao final, anulá-lo com eficácia contra todos, de modo semelhante à eventual decisão do STF.

Imagine-se, por exemplo, ação civil pública que ataque determinada portaria do Ministério da Justiça que admite a visita íntima nos presídios federais, sustentando sua nulidade em face de ilegalidade. Eventual decisão judicial que acatasse tal pedido teria eficácia contra todos, sendo aplicável a quaisquer das partes de relação jurídica antes regida pela norma. Por outro lado, poder-se-ia cogitar de ADPF atacando tal ato, apresentando fundamentos, por exemplo, relacionados à segurança pública ou ao próprio princípio da legalidade. Eventual julgamento procedente também formaria coisa julgada contra todos, mas apresentaria uma característica não encontrada no âmbito da sentença proferida na ação civil pública: a decisão no controle concentrado formaria precedente com uma força formal típica do efeito vinculante constitucionalmente previsto. Em outras palavras: ter-se-ia um meio mais eficaz para sanar a lesividade, pois serviria como precedente para, em casos semelhantes, ser levado em conta na medida de sua força.

Dentre os demais atos do Poder Público, certamente, têm-se as decisões judiciais, devendo-se perquirir se não haveria outro meio igualmente eficaz para sanar lesividades praticadas em tais pronunciamentos. A questão é importante, pois está em jogo regras de competência recursal e a própria independência da magistratura, que não pode ter suas decisões revisadas a não ser pela autoridade competente e de acordo com o devido processo legal.

Nessa linha, há entendimento de que a ADPF ajuizada como sucedâneo de recurso é uma espécie de avocatória, não devendo ser conhecida ante a existência de outros meios capazes de superar a lesividade, como os recursos. Essa é a posição, por exemplo, do Ministro Marco Aurélio: na ADPF 101, por exemplo, Sua Excelência sustentara que não seria cabível ADPF para impugnar diversas decisões judiciais que permitiam a importação de pneus usados, alegando-se violação em face do direito ao meio ambiente equilibrado. No caso, a Corte entendeu que a solução atomizada, aguardando-se eventual impugnação específica em cada caso, não seria um meio eficaz, reafirmando que o teste em torno da subsidiariedade deve ser efetivado levando em conta as demais ações de controle concentrado. Como nenhuma outra poderia controlar diretamente tais decisões, restaria somente a ADPF.

Situação semelhante ocorre com o ato impugnado na recente ADPF ajuizada pela PGR, sendo ainda mais grave a constatação de que, em se tratando de acordo, dificilmente algum interessado recorreria, podendo-se perpetuar uma ilegalidade, como efetivamente ocorrera no caso[1]. Ora, a ADPF foi pensada para evitar, justamente, a ofensa aos preceitos fundamentais, seja qual for o ato do Poder Público. Não há nenhuma ofensa à independência ministerial ou da magistratura: todo membro do Ministério Público ou juiz deve ter a consciência de que pode errar ao celebrar ou homologar um acordo que contenha ofensa a preceito fundamental. Nesses casos mais graves, a Constituição previu um mecanismo para solução mais rápida da situação. A pretendida ofensa à independência somente tem lugar quando se supõe uma espécie de soberano, não se sujeitando ao controle e, mais ainda, buscando subverter a hierarquia do Poder Judiciário ou do Ministério Público Federal. Foi precisamente isso que a ADPF buscou evitar.

Assim, é a força do precedente do STF que justifica a subsidiariedade ser analisada dentre as ações de controle concentrado. Com o efeito vinculante, a lesividade pode ser combatida de modo ainda mais eficaz, ante as consequências típicas de um precedente do STF. Aguarde-se o julgamento da ADPF, mas espera-se que ela contribua para a manutenção da alocação de poder preconizada pelo constituinte, evitando as realocações típicas dos regimes de exceção, os quais também podem se configurar judicialmente.

[1] Para a análise das referidas ilegalidades, consultar os próprios argumentos lançados na ADPF, não sendo objeto deste texto sua análise detida: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/ADPF568FundaoacordoMPFPetrobras.pdf.

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