Texto escrito em homenagem à memória do meu avô materno,
Casemiro Ferreira de Araújo.
Quando sonhava em ser professor com melhores condições de trabalho, sem estar submetido às salas de aulas superlotadas ou sob o constante risco de demissão por não me encaixar no perfil de certas instituições privadas que só querem saber de dinheiro, tinha como uma de minhas metas ministrar aulas de Direito Eleitoral. Tive a grata surpresa, ao ser nomeado professor efetivo na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, de saber que serei professor de tal disciplina neste semestre.
Este texto aborda aspectos introdutórios da disciplina, especialmente as relações entre Direito, política, Constituição e democracia. Apresenta, ainda, um valor sentimental, pois herdei o gosto pelo Direito e pela política do meu avô materno, homem simples do sítio que estava sempre à frente das questões envolvendo sua comunidade. Este texto, publicado na data da minha posse, é dedicado à memória dele, pois, não tenho dúvidas, ele teria sido um grande jurista.
Política compreendida como processo que busca proporcionar a tomada de decisões coletivas visando algum tipo de impacto na sociedade a partir da atuação do Estado[1] pode ser estudada sob as mais diversas perspectivas, sejam elas idealistas ou realistas. No plano ideal, tem-se a política que deveria ser executada para busca do bem comum, do desenvolvimento e de quaisquer valores dignificantes. Realisticamente, por outro lado, busca-se estudar como a política ocorre na prática, descrevendo-se o processo e suas contradições a partir dos limites da vida em sociedade. Este texto vai explorar, brevemente, algumas considerações realísticas sobre a política sua relação com o Direito. A justificativa para a abordagem realística é eminentemente prática: ela é, normalmente, negligenciada pela doutrina jurídica, especialmente, quando vai tratar do tema no bojo de uma introdução ao Direito Eleitoral.
Direito, por sua vez, relaciona-se com a política de dois modos bastante evidentes[2]. Ele é criado pela política, seja a partir da decisão promulgada por uma Assembleia Nacional Constituinte de modo democrático ou a partir do ato de força configurado numa outorga ditatorial. Por outro lado, o Direito vai limitar ou regulamentar a política a partir de diversas normas jurídicas, como a que limita os conteúdos possíveis das deliberações políticas ou mesmo a forma com que elas podem ser tomadas. Além disso, regulamenta todo o processo para que a vontade popular seja expressada com a maior liberdade possível na escolha de representantes que comporão os quadros estatais por certo período de tempo.
Esse processo de interação entre Direito e política é materializado, por exemplo, na tensão entre constitucionalismo e democracia, ou seja, entre a Constituição e a soberania popular. Como dito acima, a Constituição é fruto da política e, uma vez em vigor, tem pretensão de autoridade também em relação à política ordinária. Em certos casos, busca se impor até mesmo em face da política que busque a reforma constitucional, já que não admite alterações que tendam a abolir as denominadas cláusulas pétreas, como o voto direto, secreto universal e periódico, para continuar em temas caros ao Direito Eleitoral. A democracia nesse sentido formal, relacionado à necessária existência de eleições periódicas com a maior universidade possível de participação ativa e passiva é o ponto central de preocupação das normas eleitorais.
Mas a Constituição e a democracia estão em grande risco quando a política sucumbe ao autoritarismo em torno da confusão entre as funções estatais executiva, legislativa e judiciária ou à violência como forma de exercício de soberania sobre inimigos políticos. Eis os temas centrais a serem estudados como desafios graves para o Direito e sua relação com a política: o Estado de Exceção[3], a relação amigo/inimigo[4] na política e o assassinato como forma de atuação política, compondo a conceito de necropolítica[5].
Uma das marcas centrais do Estado de Exceção é a confusão concreta entre as funções estatais, como dito acima. Juízes que buscam reescrever a Constituição a qualquer custo é a marca da exceção em estados periféricos como o Brasil.
A superação da relação adversarial entre partidos políticos com ideias opostas para a configuração de uma inimizade que pode levar ao extermínio é a porta de entrada para o mais macabro exercício de soberania: a possibilidade de disposição sobre a vida de outrem. Se soberano, para Carl Schmitt, é aquele que dispõe sobre o Estado de Exceção, para Achile Mbembe soberano é aquele que decide quem vai morrer e viver na política.
Este é o cenário para o estudo do Direito e, especialmente, do Direito Eleitoral no Brasil. O estudo, obviamente, parte das normas jurídicas positivadas. É a sociologia jurídica aplicada ao campo eleitoral, no entanto, que pode proporcionar o entendimento de como esses fatos interferem na aplicação e criação do Direito.
Mas o objeto de estudo da sociologia jurídica e assunto para outro text
[1] DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução ao estudo do direito. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. P, 66-75.
[2] DIMOULIS, Dimitri. Ob. cit. P, 66-75
[3] AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004. Kindle edition.
[4] SCHMITT, Carl. O conceito do político. Tradução de Alvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes, 1992.
[5] MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. Nº 32. Dezembro de 2016.