Mais um semestre se inicia na Universidade Potiguar (UnP) e retomamos os estudos em Direito Constitucional. A abordagem de temas relacionados à teoria da Constituição e do controle de constitucionalidade é instigante, de modo que escrevo este pequeno texto como uma forma de introduzir aos alunos os problemas acerca da inconstitucionalidade que enfrentaremos no decorrer do semestre.
Nossa obra fundamental será o “Curso de Processo Constitucional”, de Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi, cuja finalidade é bem interessante: promover um estudo participativo a partir da leitura de textos e entendimento dos temas sem recurso à “decoreba” ou mera memorização de dispositivos da Constituição (essencial como recurso didático, especialmente para o professor, mas que, jamais, deve se converter em fim único ou último do processo de ensino).
Nessa linha, o autor vai propor, logo no início, a leitura de textos tais como: a) o voto do Juiz Marshall no famoso Marbury x Madison (1803), precedente que inaugura a declaração judicial de inconstitucionalidade de lei federal em face da Constituição; b) o artigo número LXXVIII de Alexander Hamilton, nos Feralist Papers, mostrando que a ideologia em torno do controle judicial de constitucionalidade não fora desenvolvida por aquele juiz, mas já se encontrava na teorização norte-americana.
Ao final do capítulo, o autor propõe um interessante exercício, perquirindo ao aluno como ele fundamentaria o controle judicial de constitucionalidade a partir da Constituição de 1988 se ela não contivesse as disposições típicas em torno do tema! Uma clara provocação ao raciocínio partindo do mencionado estudo de caso norte-americano, eis que lá o controle judicial fora desenvolvido sem qualquer norma constitucional expressa garantindo o poder de invalidar a lei por parte dos juízes.
Vamos investigar esse precedente com muita atenção, tecendo críticas à postura de Marshall, juiz claramente suspeito para atuar no caso.
As preocupações em torno da legitimidade democrática do controle de constitucionalidade e o confronto entre o poder dos Juízes e dos Parlamentos serão constantes. A declaração de contrariedade entre lei e Constituição é sensível e merece muita atenção, justificando, por exemplo, a competência de diversos atores para o exercício do controle de constitucionalidade, tais como Presidente da República, Parlamento e Juízes. Para demonstrar os inconvenientes em se deferir a uma única autoridade a guarda da Constituição, recorrerei a Carl Schmitt, criticando seu decisionismo, muito embora reconheça a importância em estudar a teoria do polêmico autor, especialmente para prevenir que muitas de suas ideias voltem a ser colocadas em prática. O debate daquele autor com Hans Kelsen será, igualmente, fundamental.
Nesse ponto, o controle político de constitucionalidade será levado a sério. Adotaremos a tese de que não há, necessariamente, qualidade institucional maior no controle judicial em detrimento do controle político. Para tanto, recorrerei a Jeremy Waldron e ao seu positivismo normativo. Para fazer o contraponto, este autor dialogará com seu mestre, Ronald Dworkin, forte defensor do controle judicial. Tais autores, dentre outros, também contribuirão para o estudo do controle de constitucionalidade numa perspectiva comparada entre Canadá, França, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos.
Os clássicos autores nacionais também serão lembrados, é claro: desde Lúcio Bittencourt, Themistocles Cavalcanti e Alfredo Buzaid, com livros sobre controle de constitucionalidade já esgotados, mas que, felizmente, pude encontrar nos sebos virtuais.
O estudo da inconstitucionalidade e da sua tipologia encontrará em Marcelo Neves seu ponto de partida. Em obra rara, igualmente encontra nos sebos, o autor vai apontar sua compreensão sobre inconstitucionalidade formal, material, parcial, total, etc, como parte de sua dissertação.
A prática do controle de constitucionalidade no Brasil será estudada em seguida, seja a partir do controle difuso (exercido por qualquer juiz) até o controle concentrado (exercido pelo STF). Diversos problemas serão abordados: a) papel do Senado no controle difuso; b) limites para a superação de inconstitucionalidades por omissão; c) as dificuldades em torno da teoria dos motivos determinantes; d) os amici curiae como “amigos” da Corte ou de alguma das partes; e) as intervenções judiciais prematuras no âmbito do processo legislativo; f) o desvirtuamento da causa de pedir aberta, com claro intuito de colocar o STF num local indevido.
Preocupação igualmente constante será com os aspectos históricos, também no âmbito nacional. Estudaremos, por exemplo, em que medida a criação da Ação Declaratória de Constitucionalidade atendeu, inicialmente, a meros reclamos de governo.
Finalmente, as técnicas de decisão serão abordadas no contexto da criação judicial do direito. A “legislação judicial”, na linguagem de Hart, será estudada no âmbito da discricionariedade judicial, bem como a justificativa que o autor confere a tal prática.
Muitos temas e uma grande responsabilidade: unir teoria e prática de modo claro. É plenamente possível e enriquecedor, sobre isso não tenho dúvidas. Mas os alunos precisam ler as indicações bibliográficas, sob pena de a aula não ser satisfatoriamente apreendida. Este sim é o maior desafio, cuja superação, no entanto, não depende do professor.