
Foto tirada por mim, mostrando uma das réplicas mais antigas da Magna Carta, exposta no Blackwell Hall da Bodlein Library em Oxford.
O estudo do constitucionalismo é normalmente atrelado às experiências norte-americana, francesa e inglesa, tendo as revoluções francesa e americana produzido constituições escritas, com forte influência, por exemplo, na realidade brasileira. O modelo inglês, por sua vez, consagrada um tipo de constitucionalismo que se convencionou chamar de não escrito.
Dizer que a Constituição inglesa não é escrita, pelo que formada para histórica agregação de precedentes e de costumes, não deve criar a imagem acerca de uma exclusão total de documentos escritos que possam integrar aquele conceito. Em outras palavras: os documentos formais também são conhecidos pela realidade inglesa, os quais integram também o conteúdo da Constituição. Esses documentos, no entanto, não estão agregados num único documento.
Nessa linha, sempre vem em mente a pactuação da Magna Carta, em 15 de junho de 1215, documento que marca a mais famosa limitação do poder real até então efetivada. Ainda hoje, seja em aulas de Teoria Geral do Processo ou de Direito Constitucional, é comum a citação àquele documento, quando se fala, por exemplo, no devido processo legal no contexto do direito processual constitucional.
Outros documentos, como o Habeas Corpus Act ou, mais recentemente, o Human Rights Act de 1998 também compõem essa parte escrita da Constituição inglesa. O último documento citado inaugura até mesmo um controle de constitucionalidade fraco, com a possibilidade de as Cortes inglesas declararem a incompatibilidade entre as disposições daquele e uma lei, sem caráter vinculante sequer para as partes envolvidas.
Os alunos mais atentos, quando da explanação de tal modelo de controle de constitucionalidade, amplamente diferente do nosso, logo perguntam: “E qual é a utilidade de tal controle?” É a possibilidade que um parlamentar iniciar um processo legislativo, com base na declaração de incompatibilidade, para alterar a lei, tornando-a compatível com o Human Rights Act. O princípio da soberania do Parlamento explica porque os ingleses ainda se mostram confortáveis em confiar seus direitos fundamentais àquela instituição.
Em diversos momentos da história inglesa existiram tensões entre o Parlamento e o Rei. A história bem demonstra situações em que os reis dissolveram o parlamento, como se constata nas décadas do século XVII que antecederam a Revolução Gloriosa de 1688: 1) Jaime I, em 1614, dissolvera o parlamento quando este confrontara, com base na Magna Carta de 1215, as decisões reais que criavam tributos sem prévio assentimento parlamentar; 2) Carlos I, em 1628, jurou obedecer a Petição de Direitos imposta pelo parlamento, tendo, em seguida, o dissolvido; 3) Carlos I, igualmente, recorrera ao parlamento em busca de apoio popular, em 1637, quando entrou em conflito com a Escócia ao tentar anglicanizar a igreja presbiteriana deste, tendo o parlamento decidido lutar contra o absolutismo inglês, não contra os escoceses, sendo, rapidamente dissolvido; 4) no mesmo contexto, como a ameaça escocesa ainda perdura, Carlos I promove nova convocação do parlamento em 1640 e, ao tentar nova dissolução em 1642, inicia-se a guerra civil na Inglaterra; 5) em 1653, é a vez de Oliver Cromwell, na república puritana, dissolver o parlamento, governando ditatorialmente.[1]
A vitória parlamentar em 1688, no contexto da Revolução Gloriosa, explica o poder e prestígio do Parlamento. A deferência parlamentar aos direitos fundamentais compõe mais uma fonte de sua respeitabilidade.
Percebe-se, portanto, como o constitucionalismo inglês apresenta relevantes documentos escritos que fazem parte de sua Constituição. A inexistência de um controle de constitucionalidade forte, como já se viu em outros textos deste blog, mostra como a soberania do Parlamento influencia a proteção dos direitos fundamentais na realidade inglesa.
[1] MELLO, Leonel Itaussu A.; COSTA, Luís César Amad. História moderna e contemporânea. São Paulo : Scipione, 1999. p, 93-96.
Bom dia, Prof. Dr. Emanuel Ferreira,
Estava pesquisando seu blog a fim de estudar mais sobre a Carta Magna e a Rev. Gloriosa e este artigo foi bastante esclarecedor.
Sou professora e revisora de vernáculo da Língua Portuguesa, por isso, peço licença e, se me permitir, gostaria de alertá-lo para um uso equivocado do verbo consagrar, logo no primeiro parágrafo.
Neste trecho, “O modelo inglês, por sua vez, consagrada um tipo de constitucionalismo que se convencionou chamar de não escrito.”, o verbo ‘consagrar’ deveria estar conjugado no Presente do Indicativo: “consagra”.
Parabéns pelo blog. Acredito que aprenderei ainda mais com os outros artigos também publicados aqui.
Atenciosamente,
Lia Mara Nascimento.