O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – UMA PERSPECTIVA COMPARADA ENTRE BRASIL E REINO UNIDO

julho 27, 2015 — Deixe um comentário

Voltando para casa após uma semana riquíssima na Universidade de Oxford, não poderia deixar de registrar aqui meus agradecimentos a todos que manifestaram apoio nessa minha rápida empreitada internacional. Interpretei as “curtidas” dos familiares e dos amigos da Justiça Federal, do MPF, da AGU, da Faculdade de Direito da UFC, da UFERSA, e, em geral, do Iguatu e de Fortaleza, como um sincero “boa sorte”. Valeu!

No final do curso, apresentamos um rápido trabalho em inglês, por recomendação direta dos próprios professores, sendo que eu e minhas colegas Carolina Rosado e Cristina Melo discorremos sobre o tema “O controle de constitucionalidade – uma perspectiva comparada entre Brasil e Reino Unido”. Foi um dos grandes momentos do curso, o qual, de um modo geral superou minhas expectativas, eis que possibilitou: 1) aprofundar a língua e a cultura inglesa; 2) conhecer Oxford e seu sistema de ensino; 3) fazer contato com professores. Quem puder algum dia estudar lá, não vai se arrepender.

Em seguida, eis um breve post sobre a apresentação que fizemos. Parti do texto The core of the case against judicial review, de Jeremy Waldron, para fazer a distinção entre as formas forte e fraca de controle de constitucionalidade, essencial nessa comparação.

Sabe-se que o constitucionalismo inglês é marcado pelo aspecto não escrito de sua Constituição, eis que o direito consuetudinário está na base de tal ordenamento. Isso não quer dizer, por outro lado, que os ingleses desconheçam normas escritas, pois há diversos documentos formais que compõem, igualmente, essa acepção de Constituição. Nessa linha, a Magna Carta, o Habeas Corpus Act, o Bill of Rights, o Tratado de Maastricht e, sendo o mais importante para o presente texto, o Human Rights Act de 1998, compõem relevante parte escrita da Constituição inglesa.

Pensar, assim, na expressão controle de constitucionalidade levando em conta a realidade antes descrita pressuporia a possibilidade de juízes declarem uma lei incompatível com algum daqueles documentos, os quais, repita-se, integram a Constituição inglesa. Tal possibilidade sempre fora rechaçada, tendo em vista o princípio da soberania do Parlamento, o qual não poderia encontrar limites a partir da atuação judicial. Tal estado de coisas foi em parte alterado em 1998, com a introdução Human Rights Act, o qual admitiu, pela primeira vez, a possibilidade de juízes ingleses declararem a incompatibilidade entre uma lei e uma disposição daquele tratado, internalizado no ordenamento inglês. Trata-se de um exercício de controle de constitucionalidade, sem dúvidas, mas efetivado de um modo bem mais fraco que aquele conhecido, por exemplo, no Brasil.

Nessa linha, para o correto entendimento do tema, é essencial diferenciar um controle de constitucionalidade fraco e outro forte, seguindo a doutrina de um dos principais críticos do judicial review, Jeremy Waldron. A menção desse autor num texto sobre o sistema jurídico inglês é essencial, eis que parte de sua pesquisa em torno do controle de constitucionalidade refere-se diretamente à conveniência na introdução de um Human Rights Act no Reino Unido. Para ele, o controle de constitucionalidade quase sempre violará a democracia, sendo aceito somente em contextos muito específicos, ante, por exemplo, a falência total das instituições representativas de um dado estado. Certamente, esse não é o caso da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.

Waldron, em termos gerais, diferencia um controle de constitucionalidade forte, no qual o Poder Judiciário, de modo vinculante, pode invalidar uma lei quando entende que esta é incompatível com a Constituição ou eleger um sentido para torná-la compatível com o texto maior, de um controle fraco, no qual, apesar de haver uma atividade voltada para analisar tal compatibilidade, seu resultado não pode ser a invalidação da lei, mas uma mera declaração de incompatibilidade. E em que consistiria tal declaração?

Nesse ponto, é importante consultar os dispositivos pertinentes do Human Rights Act:

Declaration of incompatibility

Subsection (2) applies in any proceedings in which a court determines whether a provision of primary legislation is compatible with a Convention right.

If the court is satisfied that the provision is incompatible with a Convention right, it may make a declaration of that incompatibility.

Subsection (4) applies in any proceedings in which a court determines whether a provision of subordinate legislation, made in the exercise of a power conferred by primary legislation, is compatible with a Convention right.

If the court is satisfied—

a) that the provision is incompatible with a Convention right, and

b) that (disregarding any possibility of revocation) the primary legislation concerned prevents removal of the incompatibility

(…)

A declaration under this section (“a declaration of incompatibility”)—

a) does not affect the validity, continuing operation or enforcement of the provision in respect of which it is given; and

b) is not binding on the parties to the proceedings in which it is made.

Os dispositivos apontam a possibilidade de as Cortes (Supreme Court; Judicial Committee of the Privy Council; Court Martial Appeal Court; naEscócia, a High Court of Justiciary; na Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, a High Court or the Court of Appeal; Court of Protection, de acordo com a seção 6 do Human Rights Act) declararem a incompatibilidade de uma legislação, seja primária (editada diretamente pelo Parlamento) ou secundária (quando o Parlamento autoriza a edição de certos atos, normalmente relacionados a questões de alta complexidade técnica), quando em confronto com os dispositivos do Human Rights Act. No entanto, tal declaração não afeta a validade ou eficácia da lei incompatível, nem é vinculante, sequer para a partes envolvidas no litígio.

Poder-se-ia perguntar: para que vale, então, tal declaração?

O sistema inglês, fiel à soberania do Parlamento antes mencionada, não poderia admitir uma invalidação pura e simples da lei pelo Judiciário. Tentando compatibilizar tais ideias com uma declaração de incompatibilidade, pensou-se num sistema no qual tal declaração, apesar de não ser vinculante e não poder anular a lei, poderia gerar um procedimento legislativo capaz de alterar a lei tida por incompatível. Veja-se o dispositivo pertinente:

Power to take remedial action.

If a Minister of the Crown considers that there are compelling reasons for proceeding under this section, he may by order make such amendments to the legislation as he considers necessary to remove the incompatibility.

Segundo o texto, tem-se que um Ministro, considerado que há razões suficientes, pode promover uma emenda na legislação, a fim de que se remova a incompatibilidade declarada pelas Cortes. Eis, portanto, o poder que as Cortes inglesas têm ao efetivarem uma declaração de incompatibilidade: provocar o debate legislativo sobre o tema, sem qualquer possibilidade de vinculação.

Percebe-se, assim, como o controle de constitucionalidade inglês apresenta diferenças marcantes em relação ao brasileiro. Se aqui a palavra final acerca da interpretação constitucional está com o Supremo Tribunal Federal, ou seja, com uma Corte, no Reino Unido essa última interpretação cabe ao Parlamento. Essa foi a forma encontrada para compatibilizar o judicial review com a soberania do Parlamento.

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