O caso Lava-Jato entra para a história do Brasil sob diversos aspectos, dentre eles a marcante transparência proporcionada pelo Ministério Público Federal (MPF) às investigações. Essencial para o controle do poder, dentre eles o poder de investigar, a publicidade, atendidas as prescrições legais, é princípio da administração pública e direito do cidadão, capaz de informá-lo da atuação de agentes públicos pagos pela sociedade, propiciando, em última análise, maior envolvimento social nos debates em torno da coisa pública. Mesmo com os diversos problemas relacionados à concentração de poder na imprensa brasileira, é inegável a importância da transparência no Brasil de hoje para as pessoas comuns.
A Lava-Jato consegue ter exposição ainda maior que o Mensalão, em parte por se tratar de investigação que se desenvolve na cúpula do Ministério Público Federal e na sua base, sendo que nesta já há, verdadeiramente, ações penais ajuizadas. Assim, mesmo os personagens que atuam na primeira instância, como o Juiz Federal Sérgio Moro ou o colega procurador da República Deltan Dallagnol, já se tornaram amplamente conhecidos, bem como os fatos em si, relacionados, no Juízo Federal, mais à atuação de doleiros e empreiteiras, eis que o núcleo político só agora começa a se integrar nessa narrativa, em face do foro por prerrogativa de função.
Nessa linha, atos corriqueiros do processo penal, como a dispensa por parte do MPF de testemunha a seu juízo inútil para a instrução ganha justa notoriedade nos meios de comunicação, tamanha, repita-se, a gravidade dos fatos sob apuração. Nunca um processo penal foi tão divulgado. A expectativa social para conhecer o conteúdo dos acordos de colaboração premiada antes do levantamento judicial do sigilo, por outro lado, não se insere no âmbito de proteção do direito à informação, não podendo se tolerar os criminosos vazamentos realizados. Se é certo que os meios de comunicação, ao meramente publicarem tais conteúdos, não são partícipes dos vazamentos em si, daí não decorre a desnecessidade de se apurar e responsabilizar o real autor do vazamento da informação sob sigilo.
O vazamento, portanto, não merece qualquer elogio em prol de pretensa transparência. Digna de aplausos, ainda na seara da concretização do princípio da publicidade, foi a criação do site do caso Lava Jato, no qual se tem diversos documentos já produzidos pelo MPF, como denúncias ofertadas em primeira instância e pedidos de abertura de Inquéritos Policiais e de arquivamento perante o Supremo Tribunal Federal. Este último conteúdo ficou disponível desde ontem à noite, tão logo houve o levantamento do sigilo das petições protocoladas pelo Procurador Geral da República (PGR).
Lá é possível ler, por exemplo, os motivos que levaram o PGR a pedir o arquivamento das investigações contra o Senador Aécio Neves. Levando em conta a representatividade de tal parlamentar, ex-candidato à Presidência da República com mais de cinquenta milhões de votos, fiquei curioso para saber os motivos de tal arquivamento, tamanha a importância do Senador para a oposição governamental. Tal pedido está contido na Petição (PET) nº 5283.
Analisando criticamente o texto de tal petição, penso que o PGR acertou.
O mencionado pedido, que totaliza vinte e três páginas, inicia-se com descrição geral acerca do caso Lava Jato, noticiando-se as origens dele a partir de outras operações. Em seguida, o PGR amplia os horizontes da investigação e do próprio caso em si, ao apresentar os núcleos de intrincada organização criminosa que estaria atuando a partir do conluio entre empreiteiros, políticos, doleiros e agentes públicos da PETROBRAS. Finalmente, o PGR aborda o contexto específico em que o nome do Senador Aécio Neves veio à tona.
Tratava-se do acordo de colaboração premiada de Alberto Youssef, o qual declarara, de acordo com as transcrições contidas na PET nº 5283, especialmente entre as páginas 13 e 20, que o PSDB, por intermédio do Senador AÉCIO NEVES, possuiria influência junto a uma diretoria de FURNAS (sociedade de economia mista subsidiária da Eletrobras e vinculada ao Ministério de Minas e Energia, dedicada à geração e transmissão de energia elétrica, conforme informa a própria PET nº 5283), conjuntamente com o PP, e haveria o pagamento indevido de valores de empresas contratadas. O colaborador afirma que “ouviu dizer” que tais pagamentos eram feitos à irmã do então Deputado Aécio Neves. Uma das pessoas que seria a fonte primária de tais fatos, no entanto, já até faleceu (José Janene).
O delator nega ter tido qualquer contato direto com quaisquer dessas pessoas ou fatos, fazendo, assim, alegações vagas, as quais impossibilitam se extrair qualquer substrato mínimo para se iniciar uma investigação. Por substrato mínimo, entenda-se o nome de mais pessoas que testemunharam tais transações ou o momento específico em que elas ocorreram com maior riqueza de detalhes. É claro que cabe ao MPF investigar, diligenciando em busca de documentos e na realização de oitivas, dentre tantos outros meios de investigação. No entanto, se a narrativa apresentada não apresenta detalhes mais sólidos, a adoção de tais diligências resta prejudicada. No cotidiano do procurador da República, é comum promoções liminares de arquivamento diante de fatos descritos de modo semelhante, o que prova o grau de seriedade que se tem ao se cogitar de iniciar uma investigação.
Evidentemente, a promoção de arquivamento não é algo definitivo, eis que, em havendo novas evidências, há possibilidade de reabertura das investigações, situação expressamente consignada no pedido.
Eis um ganho inestimável para a Democracia brasileira: ter acesso direto a documentos investigativos relacionados às mais altas autoridades da República, podendo entender as razões que levaram ao pedido de abertura de Inquérito e de arquivamento.
As reações exageradas no Poder Legislativo, infelizmente, já se iniciam. A sociedade deve se solidarizar com o Ministério Público, eis que este, simples e constitucionalmente, está realizando seu mister de maneira independente e escorreita.