Como já amplamente divulgado pela mídia, nosso País vive mais um escândalo de corrupção envolvendo nossa mais importante empresa, a Petrobras. Trata-se de estratagema conhecido: fraudes em licitações, sem a ampla concorrência que se espera em tais certames, geravam contratos superfaturados e frutos de acordos espúrios entre construtoras e agentes públicos, políticos ou não. O montante de dinheiro sujo, não raro, era destinado a contas bancárias no exterior, no afã de se manter ocultado o produto do crime, facilitando seu usufruto posterior.
É uma prática revoltante: no Brasil ainda há pobreza, tragédia que se abate em diversas cidades brasileiras. Muito embora haja avanço na prestação dos serviços sociais, não há como negar: existe ligação direta entre descalabros como o ora em comento e a condenação de nossos concidadãos a uma vida de miséria.
O principal delator do esquema, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Refinos e Abastecimento da Petrobras, relatou o seguinte, quando de seu último depoimento à CPI que investiga o caso: “O que acontecia na Petrobras acontece no país inteiro, nas rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, hidrelétricas no Brasil inteiro. É só pesquisar porque acontece.”[1] Infelizmente, ele está coberto de razão.
Certamente, a replicação do esquema Lava Jato no âmbito municipal pode sofrer pequenas variações, notadamente acerca das cifras envolvidas. No entanto, essencialmente, o roteiro desse enredo de horror é o mesmo.
Eis o caminho completo: 1) grandes empresas, normalmente construtoras, doam razoáveis quantias de dinheiro para certo candidato, ainda no contexto das eleições; 2) tal candidato vence o pleito e, na primeira oportunidade à vista, lança edital de licitação para construção de certa obra pública; 3) tal licitação é fraudada por ordem direta do principal mandatário do município, normalmente após conversas com todas as empresas participantes do evento, as quais ajustam previamente suas propostas ou, dolosamente, “esquecem” certos documentos essenciais à habilitação, restando unicamente a pessoa jurídica cuja vitória já era certa desde a origem, sendo, evidentemente, a mencionada empresa elencada no ponto 1; 4) em seguida, há superfaturamento na proposta e no consequente contrato administrativo, levando à distribuição entre os envolvidos dessa diferença, a famosa “propina”; 5) é possível, havendo ou não tal superfaturamento, que a obra não seja executada a contento, mesmo havendo o repasse total dos valores pactuados, sendo esta mais uma fonte de desvios; 6) finalmente, os beneficiários de tal esquema buscam ocultar tais valores, normalmente adquirindo bens e os colocando em nomes de terceiros, os famosos “laranjas”, a fim de possibilitar ulterior utilização.
O Ministério Público, no entanto, está atento a tais práticas. Apesar de esses delitos apresentarem certa complexidade probatória, eis que, no caso de crimes de licitação, não é possível a obtenção de intercepção das comunicações telefônicas, tendo em vista serem delitos punidos com pena de detenção, a análise documental, normalmente, apontará coincidências impossíveis de ocorrerem efetivamente. Além disso, é comum a constatação de fabricação descarada de documentos, com datas totalmente incompatíveis com as fases do certame.
Na mesma linha, a quebra de sigilo bancário é ferramenta essencial para se seguir o dinheiro, descobrindo-se, efetivamente, como se deu a partilha do montante público desviado. Numa perspectiva de médio prazo, a quebra de sigilo fiscal pode apontar uma evolução patrimonial desproporcional, consistindo, igualmente, em mais uma prova do desvio.
Tais técnicas podem ser tranquilamente complementadas com os evidentes benefícios da colaboração premiada, a qual, nunca é demais relembrar, trata-se de benefício para o investigado. Nesse sentido, é mera retórica a sustentação de muitos advogados contra a existência de tal mecanismo, o qual vem beneficiar seus próprios clientes. Afinal, prisão domiciliar parece algo mais atrativo que 40 anos de reclusão.
O combate ao desvio de dinheiro público e à corrupção de um modo geral não encontra uma única resposta apta a solucionar ou, pelo menos, reduzir drasticamente, tais ocorrências. O Ministério Público e o Poder Judiciário compõem atores formidáveis para a repressão de tais delitos, mas, de modo algum, a posição de salvadores da pátria pode lhes ser atribuídas de modo exclusivo. Cabe ao Congresso Nacional, dentre tantas outras medidas, por fim ao financiamento empresarial de campanhas (papel que o Supremo Tribunal Federal está prestes a efetivar), bem como diminuir o número de cargos comissionados na administração pública.
No entanto, há uma necessária mudança que deve vir de baixo: nossa sociedade não pode compactuar com slogans como “rouba, mas faz”, tão comuns no contexto político. Mesmo no dia a dia, a honestidade nas relações sociais é algo a ser alcançado, para que, paulatinamente, a cultura republicana de respeito à coisa pública seja cada vez mais disseminada.
[1] Fonte: http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2014/12/costa-diz-em-acareacao-que-nao-respondera-perguntas-da-cpi.html. Acessado em: 07/12/2014.
Perfeito. Em um país no qual as leis dificultam o trabalho dos corretos, a ação dos órgãos de combate à corrupção é tarefa árdua. Parabéns pelo artigo.