1.A atuação judicial do MPF no processo de inclusão e transferência de presos
O sistema prisional federal é composto por quatro presídios federais, localizados em Porto Velho, Catanduvas, Campo Grande e Mossoró. Essas unidades prisionais de segurança máxima destinam-se a receber presos com perfil bem específico, notadamente relacionado: 1) ao pertencimento a certa organização criminosa, detendo ou não posição de mando na mesma; 2) ao histórico de práticas reiteradas de crimes violentos, especialmente quando praticados por quadrilhas; 3) à participação em ações que comprometam gravemente a segurança interna dos presídios estaduais, quando, por exemplo, geram rebeliões. O rol não é exaustivo, devendo o Ministério Público, o Juiz da Execução e as demais autoridades componentes do Sistema Penitenciário Federal terem sempre em mente o fundamento básico para a existência de tais presídios na órbita federal: necessidade de se isolar os líderes de facções criminosas, de modo que eles não possam exercer posição de mando enquanto recolhidos ao cárcere.
O procedimento para inclusão e transferência de presos é previsto na Lei 11.761/2008, regulamentada pelo Decreto 6.877/2009. Em linhas bastante gerais ele compreende: 1) o pedido de inclusão ou transferência, feito pelo Ministério Público ou por outras autoridades lá indicadas, como secretários de segurança; 2) análise pelo Juízo da origem; 3) nova análise do pedido pelo Juiz Federal Corregedor da unidade prisional do destino, caso tenha havido admissibilidade pelo Juízo de origem; 4) inclusão definitiva no sistema prisional federal, caso o Juiz Federal Corregedor também defira o pleito. Percebe-se, assim, que há um procedimento complexo e bipartido para se ter a definitiva inclusão de um preso num daqueles estabelecimentos penais.
O papel do Ministério Público nessa área refere-se: 1) à atribuição básica de fiscalização, de um modo geral, da execução da pena, podendo requerer quaisquer medidas como as referentes à progressão e regressão de regime; 2) à legitimidade para pleitear a inclusão e a transferência de presos; 3) à elaboração de pareceres nos casos em que não requerera a inclusão ou transferência; 4) inspeção in loco das unidades prisionais, elaborando relatório nos moldes definidos pela Resolução nº 56 do Conselho Nacional do Ministério Público, a fim de apurar, por exemplo, se os direitos dos presos estão sendo respeitados.
2. A atuação extrajudicial – o papel fundamental das inspeções
Uma das mais importantes formas de detecção de irregularidades é a realização das inspeções nos presídios, como manda a lei de execução penal. Através delas, o membro do ministério público se coloca em aberto diálogo com a direção e os presos, escutando-os e descobrindo eventuais fatos que possam ensejar a abertura de procedimentos.
Um dos desafios do ministério público nas inspeções, notadamente no que tange à entrevista com os presos, é buscar efetividade em tal atuação, não se limitando somente ao burocrático papel de preencher o formulário de inspeção. Nesse sentido, há infinitas possibilidades de atuação e de abordagem.
Pode-se pensar, quando dessas entrevistas, em uma investigação sobre o respeito aos direitos fundamentais dos presos nas mais variadas vertentes. Por exemplo, já tinha tido notícia de que dois presos na unidade prisional em Mossoró estudavam teologia à distância, em certas instituições de ensino superior. Supondo que tal prática seria um indicativo de religiosidade deles, promovi entrevista com os mesmos, a fim de abordar se a liberdade de religião deles estava sendo preservada no cárcere.
Logo no início, enquanto vistoriava a cela através do compartimento que se abre na porta – não há contato direto na inspeção – busquei visualizar se lá havia eventual livro religioso, já que a posse de tais obras é garantida pela própria lei de execuções penais, além de decorrer, evidentemente, da liberdade de religião. Logo pude constatar a presença delas, tendo os presos me confirmado que, além de serem tratados pelo nome, nunca passaram por qualquer constrangimento em face de sua alegada religiosidade. Se tais estudos religiosos, efetivamente, ajudarão a tornar aqueles seres humanos pessoas melhores, não há como precisar.
Deve-se, assim, buscar efetividade nas inspeções, havendo vasto campo para atuação, em face dos diversos direitos fundamentais que podem ser indevidamente afetados, mesmo nas unidades federais.
3. O mapa da atuação do MPF – objeto e atual status dos procedimentos instaurados desde 2006
Buscando identificar o mapa da atuação do Ministério Público Federal perante os presídios federais, promovi pesquisa no sistema ÚNICO acerca do quantitativo de procedimentos instaurados no âmbito do MPF com as expressões “presídio federal” e “penitenciária federal”. Nesse sentido, foi possível encontrar 583 procedimentos instaurados desde 2006, data da inauguração da primeira unidade prisional federal. Deste total, 91 (noventa e um) encontram-se em andamento, 09 (nove) aguardam homologação de arquivamento e os demais, 450 (quatrocentos e cinquenta), foram arquivados. Há, ainda, 33 procedimentos sigilosos, cuja fase não foi possível precisar.
Esse montante pode ser assim visualizado:
Do montante de 91 procedimentos ainda em andamento, tem-se a seguinte subdivisão: 1) 25 originaram IPL´s; 2) 6 geraram ações penais; 3) 1 foi remetido para a Justiça Estadual; 4) 3 foram, em 25/09/2014 remetidos para a JF/PR, de modo que ainda não foi possível apurar qual classe compõem, ante a inexistência de maiores detalhamentos na movimentação processual, bem como no sistema ÚNICO; 5) 2 geraram ações civis públicas; 6) 54 ainda estão em tramitação no MPF.
O que gerou a maioria dessas instaurações foi a existência de procedimento administrativo disciplinar iniciado pela diretoria do Presídio para apurar e sancionar eventual falta disciplinar cometida pelos presos. Do total de 583 procedimentos referidos, 335 são destinados a apurar a conduta dos reclusos, tendo em vista a possível repercussão penal de tais atos.
Os demais números e temas dos procedimentos são assim divididos: 1) 33 são procedimentos sigilosos, como dito; 2) 79 investigam condutas dos agentes públicos das penitenciárias; 3) 129 têm por objeto os mais variados temas, como presteza do serviço médico ou odontológico, qualidade das instalações, respeito à dignidade dos visitantes; 4) 7 relacionam-se à alimentação.
Eis mais um gráfico elucidativo:
A quantidade de arquivamentos homologados demonstra como, de um modo geral, o serviço desenvolvido em tais estabelecimentos é satisfatório. Nesse sentido, muitas instaurações têm por objeto eventual ilicitude facilmente apurável através de simples ofício ao Diretor do estabelecimento ou outra autoridade competente, sendo tal resposta, na ampla maioria das vezes, satisfatória e apta a extinguir as dúvidas existentes sobre o fato. O alto número de arquivamentos demonstra, ainda, como os procedimentos administrativos disciplinares iniciados nas unidades prisionais e, em seguida, levados ao MPF, acabaram por não gerar maiores repercussões penais, explicando, ainda, a baixa quantidade de denúncias.
Por tudo isso, percebe-se que o sistema prisional federal é um local de excelência para cumprimento das penas, não retirando a dignidade dos seres humanos lá custodiados. Mesmo os problemas encontrados, até o momento, não chegaram a impactar de forma desarrazoada a prestação desse relevante serviço atinente à segurança pública. Tais constatações só aumentam a responsabilidade do Ministério Público Federal, a fim de que tal estado de coisas perdure.
Feliz será o dia para a segurança pública brasileira quando os presídios estaduais ostentarem metade da qualidade dos presídios federais.
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