A obra “Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação”, de Conrado Hübner Mendes[1], busca demonstrar, dentre tantas outras teses, como o controle de constitucionalidade baseado em teorias do tipo “última palavra” supervalorizam as Cortes e os Parlamentos, quando tal mister é atribuído a quaisquer desses atores. O autor sustenta um modelo mais democrático e adequado de controle de constitucionalidade, baseado não num “monólogo” da Corte, mas num diálogo entre esta e o Parlamento.
Para tanto, ele analisa diversas vantagens e desvantagens ínsitas à atividade judicante e parlamentar. Reconhecendo que ambas possuem virtudes e deméritos, sua conclusão não poderia ser outra: somente um modelo dialogal de controle de constitucionalidade pode combinar o que de melhor ambas as instituições podem oferecer, diminuindo os riscos de seus defeitos aflorarem no momento decisório.
Este texto abre uma série de postagem contendo um breve resumo de parte dessas comparações feitas por Hübner Mendes. A metodologia emprega pelo autor na análise do confronto entre Cortes e Parlamentos é a seguinte: 1) argumentar em defesa das Cortes, citando suas qualidades e, ao mesmo tempo, argumentar contra os Parlamentos, atacando seus defeitos; 2) em seguida, argumenta-se a favor dos Parlamentos, citando suas virtudes para, adiante, atacar as Cortes e denunciar suas falhas.
Dentre tantos argumentos analisados pelo autor, um deles é aquele que sustenta ser o controle judicial de constitucionalidade e, portanto, as Cortes, uma garantia do Estado de Direito.
Como se sabe, o Estado de Direito é aquele que preconiza a submissão dos governantes ao império da Lei, vinculando a vontade destes às disposições legais e superando qualquer ato de vontade como soberana imposição aos súditos. Ora, para garantir que tais finalidades sejam alcançadas, é necessária a existência de alguma instituição que aplique sanções aos Poderes quando estes não cumprirem a necessária vinculação à lei.
Tal instituição seria a Corte, a qual, através do controle judicial, poderia invalidar um ato, como uma Lei, contrário às finalidades do Estado de Direito, mantendo este incólume.
É possível, no entanto, sustentar posição contrária.
Nesse sentido, argumenta-se que não há uma vinculação direta entre a proteção do Estado de Direito e o controle judicial de constitucionalidade, a saber, o Estado de Direito permaneceria mesmo sem o controle judicial, já que: 1) se o controle judicial de constitucionalidade fosse tão essencial assim, como explicar o fato de que diversas leis inconstitucionais permanecem anos produzindo efeitos até serem invalidadas? 2) o que dizer, ainda, acerca de diversas outras leis inconstitucionais que sequer são atacadas e levadas a juízo?
Em outras palavras: o Estado de Direito já sobrevive adequadamente sem a necessidade de controle judicial, pois tem em seu ordenamento diversas leis que podem muito bem não respeitar as finalidades daquele tipo de Estado e, mesmo assim, elas produzem efeito normalmente. O controle judicial de constitucionalidade não é tão eficiente assim para eliminar essa patologia consistente nas leis inconstitucionais e, mesmo assim, o Estado de Direito permanece.
A resposta é interessantíssima. De fato, tendo em vista a inércia típica da jurisdição, mesmo a constitucional, tem-se como plenamente possível que diversas leis inconstitucionais produzam efeitos por anos sem sequer serem levadas às Cortes. Por outro lado, levando em conta diversos fatores como, por exemplo, o elevado número de casos levados ao conhecimento do nosso Supremo Tribunal Federal, é plenamente possível que mesmo leis atacadas por ações diretas permaneçam produzindo efeitos indefinidamente, aguardando o regular trâmite processual, mormente quando medidas cautelares não são deferidas e, ao final, a lei é tida por inconstitucional.
A defesa das Cortes como garantidoras do Estado de Direito, por outro lado, poderia replicar apontando que, mesmo diante de tais falhas, a situação poderia ser bem pior, ou seja, mesmo não sendo o controle judicial de constitucionalidade apto para albergar todas as violações à Constituição, certamente analisará as principais ofensas. Tal argumento é relevante, principalmente levando em conta o contexto brasileiro em que, além da existência do controle difuso, fazendo com que qualquer interessado sustente a inconstitucionalidade de lei a favor de sua tese principal, há a consagração de amplo rol de legitimados para a deflagração do controle concentrado.
Sendo assim, apesar de teoricamente possível, é forçoso reconhecer: no sistema brasileiro, é difícil supor que uma matéria de alta relevância não seja levada ao STF, tamanha a quantidade de legitimados para tanto.
Feita essa constatação prática a favor das Cortes no modelo brasileiro, abre-se dois caminhos: 1) abandona-se a crítica à Corte como incapaz de garantir o Estado de Direito; 2) reconhece-se que, mesmo no modelo brasileiro, é possível uma violação constitucional permanecer indefinidamente no tempo, autorizando-se buscar outro modelo de controle de constitucionalidade, o qual use tal limitação, mesmo que esta seja menor do que se pensava, a favor do diálogo entre Corte e Parlamento.
A escolha desses caminhos, no entanto, não pode ser aprofundada neste texto.
[1] MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.