O PODER DO MINISTÉRIO PÚBLICO A PARTIR DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS – O CASO DAS SALINAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

janeiro 15, 2014 — 1 Comentário

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O Ministério Público, no âmbito de sua atuação extrajudicial, dispõe de instrumentos formidáveis para concretização dos direitos fundamentais. Um desses instrumentos é a recomendação, sobre o qual já escrevi um pouco aqui e aqui. O presente texto abordará outro mecanismo importantíssimo, qual seja, a realização de audiências públicas.

Numa perspectiva mais formal, a audiência pública é vocacionada a propiciar a participação da sociedade civil, de órgãos e de entidades públicas no debate acerca de certo problema que esteja afetando quaisquer direitos coletivos, compreendidos estes na sua acepção ampla. Seu intuito é claro: corrigir este estado de coisas a partir do compromisso entre as partes envolvidas.

Essa participação somente poderá ser alcançada com o adimplemento das condições postas na Resolução nº 82 do Conselho Nacional do Ministério Público, tais como: período mínimo entre publicação do edital de convocação e a realização do ato; descrição precisa do objeto; organização do andamento dos trabalhos e da exposição dos participantes; confecção de relatório final apontado o encaminhamento a ser dado pelo órgão do Ministério Público a partir dos elementos lá colhidos.

Muito mais que a garantia do direito de participação, no entanto, a audiência pública deve visar à solução da violação concreta aos direitos fundamentais. Uma afronta maciça ao meio ambiente, por exemplo, merece ampla discussão com a sociedade para, a partir da busca de consensos, garantir-se da melhor maneira possível a proteção ao meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Logo quando cheguei ao Rio Grande do Norte, percebi que uma das principais questões ambientais envolvendo o interior do Estado dizia respeito às graves pendências ambientais em torno do setor de produção de sal. Mossoró, por exemplo, não tem a alcunha de “terra do sal” por acaso: o litoral do Rio Grande do Norte é responsável pela produção de cerca de 95% do sal consumido em todo o País.[1]

Qual não foi minha surpresa, então, quando percebi que parte desses empreendimentos centenários funcionavam sem licença ambiental ou ocupavam área de preservação permanente (APP), como, por exemplo, áreas que antes correspondiam a manguezais. Como sou daqueles que acha que não há direito adquirido a poluir, logo pensei que alguma solução merecia ser adotada.

Nessa perspectiva, uni esforços com os colegas Vitor Manoel Mariz e Fernando Rocha para uma atuação conjunta entre as PRM´s Assu e Mossoró, cuja área de atuação alberga praticamente todas as salinas do Estado. Nossa primeira ideia foi a realização de audiência pública, a fim de que o debate amplo com todas as salinas interessadas em participar pudesse contribuir para a solução de tais ilícitos ambientais.

O Ministério Público Federal não é cego: é claro que a envergadura de tais empreendimentos alcança uma magnitude econômica e social igualmente importantes à seara ambiental. Nesse sentido, seria irresponsável pensar na imediata desocupação das faixas de APP ou no simples embargo dos estabelecimentos. Até mesmo sob a perspectiva ambiental esta última medida não se justificaria, ante o risco de poluição que o próprio sal armazenado poderia causar ao ecossistema circundante.

No entanto, há espaço para o debate e consenso em torno das seguintes questões: 1) realização de projetos de recuperação de área degradada, por parte das empresas, para se aferir se é possível recuperar as faixas de APP por elas ocupadas; 2) assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta para desocupação gradual, em tempo razoável, dessas faixas cuja regeneração ainda se encontra tecnicamente viável; 3) necessidade de obtenção da respectiva licença ambiental para funcionamento.

O MPF, assim, tenta dialogar com as empresas e com a sociedade, buscando demonstrar que o fato de se poluir há décadas não torna tal conduta lícita. Por outro lado, esta tentativa consensual para solução da questão mostra sensibilidade para um estado de coisas que há muito tempo se mantém o mesmo, mas que merece ser enfrentado, em prol das presentes e futuras gerações.

A audiência pública ocorrerá dia 04 de fevereiro, na Universidade Federal Rural do Semi-Árido, em Mossoró/RN, nos termos do edital, o qual pode ser lido aqui.

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  1. MINISTÉRIO PÚBLICO E VOCAÇÃO: DOIS ANOS DE MPF « - fevereiro 18, 2015

    […] ferramentas de atuação também já exploradas em outros textos, como se pode constatar aqui e aqui. A riqueza e amplitude de atuação são formidáveis. Para os que supõem ter algumas das […]

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