A REPÚBLICA COMO CLÁUSULA PÉTREA

agosto 16, 2013 — 14 Comentários

Mais um post especificamente voltado para os alunos da Pós-Graduação em Direito Constitucional e Tributário da UnP. Amanhã abordaremos o tema “Poder Constituinte Reformador e Processo Legislativo”. Eis um texto para iniciar os trabalhos!

Justificar a forma de governo republicana como cláusula pétrea no nosso ordenamento constitucional é tarefa interessante, pois demanda a construção de um raciocínio que conjugue alguns dispositivos da Constituição. Antes disso, porém, vejam-se alguns esclarecimentos prévios.

As cláusulas pétreas são mecanismos de defesa da Constituição, verdadeiras garantias de sua própria existência, para citar o grande Mestre Paulo Bonavides.[1] Para concretizarem tal função, elas devem ocupar um espaço de imunidade contra a legislação ordinária e mesmo contra investidas qualificadas do Poder Legislativo, pois há um núcleo, uma identidade constitucional, a qual não pode ser alterada.

Esse núcleo, evidentemente, varia de acordo com cada texto constitucional, sendo que, no caso brasileiro, a petrealidade de certos temas está prevista no art. 60, §4º. Lá não consta expressamente a forma de governo republicana como limite material ao poder de emendas constitucionais.

Como então, é possível sustentar que a República é uma cláusula pétrea?

A forma de governo republicana é das criações mais belas da humanidade. Superando os regimes monárquicos, nos quais se têm a marca da irresponsabilidade jurídica e da hereditariedade, a República consagra a existência de uma “coisa pública”, inapropriável por qualquer rei de plantão. Além disso, o apego à meritocracia como critério para assunção de cargos públicos e a transmissão do poder através de eleições livres e justas superam os odiosos privilégios familiares das monarquias.

Evidentemente que as monarquias constitucionais hoje existentes não são mais realezas opressoras, mas é certo que continuam com suas tradições hereditárias, como, de modo absolutamente surpreendente ocorre com a monarquia inglesa em pleno século XXI. O Brasil já teve sua experiência monárquica, superada pela República a partir da Constituição de 1981.

Em 21 de abril de 1993, no entanto, foi posto em plebiscito a questão acerca de qual forma de governo os brasileiros mais gostariam, tendo se optado por manter a forma republicana. Tal consulta popular estava prevista no art. 2° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), tendo como data original 7 de setembro de 1993.[2]

Eis o motivo para a República, desde a edição da Constituição de 1988, não constar como cláusula pétrea expressamente prevista no art. 60, §4º: é que, de fato, até a realização do mencionado plebiscito, ela poderia ser alterada através de expressa decisão do povo. Sendo assim, não poderia mesmo ser considerada uma cláusula imutável da Constituição.

No entanto, hoje ela pode, sem maiores problemas. Trata-se de mais um exemplo de cláusula pétrea implícita.

As cláusulas pétreas implícitas, que podem ser formais ou materiais, existem a partir das cláusulas expressamente previstas, e se justificam também porque compõem o núcleo identitário da Constituição. A República é uma cláusula implícita material por expressa decisão do povo, o qual afastou a possibilidade do advento de uma monarquia constitucional no plebiscito mencionado.

Assim, desde a edição da Constituição, o constituinte originário (a expressão é mesmo redundante) previu a possibilidade de alteração da forma de governo somente após deliberação direta do povo, vedando-se a edição de emendas constitucionais para tanto. Com a efetivação do plebiscito, a norma constante no mencionado art. 2º do ADCT teve sua eficácia exaurida, deixando de existir no nosso ordenamento, portanto, aquela única forma prevista pela Assembleia Constituinte para a alteração da forma de governo.

A possibilidade de alteração da forma de governo, prevista na Constituição em seu texto original, era também o que justificava o procedimento de revisão constitucional previsto no art. 3º. A quase coincidência entre as datas do plebiscito e a prevista para o início da revisão (cinco anos após a promulgação) prova muito e diz justamente isso: a revisão se destinava a adaptar a Constituição a uma eventual alteração na sua forma de governo. Convenhamos: muita coisa precisaria mudar caso se firmasse uma decisão pela monarquia constitucional.

Firmadas as razões para se justificar a República como cláusula pétrea, é de se indagar: seria possível, então, que uma emenda constitucional previsse novo plebiscito acerca desse mesmo tema? Perceba-se que, mesmo neste caso, não é uma emenda constitucional quem está alterando a forma de governo.

Esta outra questão, no fundo, guarda relação com as ditas “assembleias constituintes parciais” e é complexa demais para ser tratado agora!


[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15ª Ed. Malheiros: São Paulo. p, 533

[2] A data foi alterada pela Emenda Constitucional nº 02 de 25 de agosto de 1992.

14 Respostas para A REPÚBLICA COMO CLÁUSULA PÉTREA

  1. 

    Amanhã discutiremos em sala de aula, estou ansioso.

  2. 
    Francisco Simone Araujo Dantas agosto 29, 2013 às 12:00 am

    Muito esclarecedor,obrigado.

  3. 

    Só uma coisa, república não supera nem de longe, a monarquia. A não se a absolutista, mas a monarquia parlamentar é muito superior a essa piada de república, onde as exceções funcionam e a maioria é uma porcaria.

  4. 

    Ah sim, e ainda errou a constituição republicana, que foi a de 1891, aliás, que só trouxe desgraça para o Brasil.

    • 
      Emanuel de Melo Ferreira março 15, 2016 às 4:45 pm

      É evidente que se tratou de erro material, prova disso é que escrevi 1981. Se você supõe que é justificável a existência de privilégios de nascença a ponto de se chamar, em pleno século XXI, de “plebeia” quem vai se casar com um membro de família real, problema seu. Engraçado, e a Constituição monárquica de 1824, para começo de conversa outorgada, detinha baixíssima densidade normativa, a ponto de prever o direito a igualdade em plena escravidão. Impossível uma Constituição democrática ser inferior a uma outorgada, adotando como ponto de partida necessário de valoração seu modo de produção.

      • 

        Foi outorgada, porém, submetida ao crivo das assembleias legislativas, o senhor sabia disso? Acho que não, não é mesmo? Escravidão, será que é porque no mundo era algo comum? A constituição dos Estados Unidos também seguiu essa linha, como acha que seria o impacto social extinguir a escravidão com uma população de 30% de escravos? Gostaria de uma guerra da secessão estilo EUA com quase um milhão de mortos? Por favor…

        Chama a constituição de 1891 democrática? Constituição promulgada só no nome visto que o regime republicano nasceu por um golpe antidemocrático, além da forma federativa ridícula que temos até hoje, o próprio Paulo Bonavides trata disso muito bem.

      • 

        Krystian, não fala bobagem A Constituição de 1891 foi elaborada por um parlamento eleito; o colégio eleitoral da época era mesmo baixo, mas já foi um avanço em relação ao texto imposto à força por Dom Pedro I.
        E ela trouxe coisas importantes, como o fim dos títulos de nobreza e o fato do cargo de chefe de estado ser de só uma família.

  5. 

    Qualquer argumento contrário às atuais monarquias constitucionais sempre caem por terra. Pois sempre tentar comparar esse regime de monarquia constitucional parlamentarista com as antigas monarquias absolutistas. Que tosco, e ainda tentam nos chamar de seres de Nárnia.

  6. 

    Professor, tem páginas monarquistas divulgando este seu texto e convocando minions para vir te responder. Sugiro fechar a área de comentários desta postagem.

  7. 

    Professor o senhor nos diz que a constituição republicana é clausula pétrea implícita, que segundo o meu conhecimento foi proferida uma decisão do STF dando essa posição, gostaria de saber qual é a decisão e o numero dela.

  8. 

    Parabéns! A didática do texto e a apresentação da argumentação. Tema excelente para se debater.

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