SUSTAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE INCONSTITUCIONAL PELO CONGRESSO NACIONAL ATRAVÉS DE DECRETO LEGISLATIVO

maio 16, 2013 — Deixe um comentário

Em tempos de PEC-33, o presente post busca abordar uma maneira menos invasiva e inconstitucional de o Congresso Nacional preservar sua competência face o papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se da possibilidade de aquele órgão, através de Decreto Legislativo, sustar uma súmula vinculante inconstitucional editada pelo STF.

É claro que a crise do Poder Legislativo brasileiro (deficiência de representação, debate desonesto de ideias, desapego aos valores republicanos, para citar apenas algumas mazelas) não será solucionada assim tão facilmente. Trata-se, desse modo, de uma mera proposta que, caso efetivada, traria um maior status àquele Poder.

A presente abordagem parte de uma premissa: a de que o Poder Legislativo brasileiro, apesar de tudo, não está sempre errado. A mencionada PEC-33, no ponto em que limita a atuação do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade das emendas constitucionais é mesmo inconstitucional. No entanto, ela apresenta importantes e constitucionais restrições à edição de súmulas vinculantes. Sobre esse ponto, no entanto, os detratores silenciaram, em meio ao turbilhão de críticas exageradas lançadas, principalmente, pelo Ministro Gilmar Mendes. Um bom contraponto a tal discurso pode ser lido nesse pequeno artigo de Virgílio Afonso da Silva, aqui.

O STF pode editar uma súmula vinculante inconstitucional, bastando, para tanto, que ela não esteja em conformidade com o disposto no art. 103-A da Constituição. A súmula vinculante nº 11 é um exemplo. Como se sabe, ela dispôs sobre a utilização das algemas sem haver qualquer controvérsia judicial relevante que gerasse insegurança jurídica. E mais: o STF não tinha julgado ações semelhantes em quantidade que justificasse a reiteração de julgados no sentido do conteúdo do mencionado verbete. Uma das maneiras de o Congresso Nacional reequilibrar a harmonia entre os Poderes é sustando tal ato através de Decreto Legislativo, nos termos do esquecido o art. 49, XI da CF/88.[1]

Um primeiro óbice a esse interpretação diria respeito ao princípio da separação de poderes e à inconstitucionalidade em se sustar um ato fruto de reiteradas decisões judiciais, como que ressuscitando o antidemocrático mecanismo de anticontrole de constitucionalidade previsto na Constituição de 1937. Veja-se em que consistia tal aparato.

A Constituição de 1937 inaugura o “Estado Novo” e determina verdadeiro retrocesso na evolução do controle de constitucionalidade na ordem constitucional brasileira. O autoritarismo desse período permeava diversos dispositivos daquele texto constitucional, como o art. 96 parágrafo único,[2] através do qual possibilitava ao Presidente da República submeter novamente ao Congresso determinada lei declarada inconstitucional, se ele entendesse ser ela necessária ao “bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta”. Uma confirmação por dois terços de votos em cada uma das Câmaras tornaria a decisão do Tribunal sem efeito. Era a consagração do anticontrole de constitucionalidade, o que implicava dizer que a Constituição era, nesses casos, obliquamente emendada, já que se aplicaria uma Lei inconstitucional.[3]

O mecanismo servia, indubitavelmente, como forma de amesquinhar as atribuições do Poder Judiciário. Diz-se isso porque bastaria o voto da maioria simples dos membros do parlamento para aprovar uma emenda constitucional, suficiente para superar a decisão do STF, conforme previsto no art. 174 daquela Carta. Se era mais fácil, assim, aprovar uma emenda constitucional que superasse a decisão do Tribunal, por que ainda havia a previsão, com a intermediação do Presidente da República, de outro mecanismo apto a se atingir o mesmo fim?

Eventual aproximação entre a proposta ora defendida e aquele instrumento previsto na Carta de 1937, no entanto, não é correta. O autoritário mecanismo da Carta de 1937 era vazado em conceitos jurídicos indeterminados, como “bem-estar do povo” ou “promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta”, facilitando seu uso autoritário por parte do ditador. Além disso, qualquer decisão do STF poderia ser cassada, partindo da iniciativa do Poder Executivo. Não se tratava de um mecanismo de freios e contra pesos, mas sim um instrumento de opressão de um Poder sobre outro. A sustação da súmula vinculante inconstitucional está vinculada a critérios mais objetivos, quais sejam, a violação das formalidades constitucionais para a edição da súmula. Trata-se de uma resposta proveniente de um Poder que teve sua competência violada. Além disso, não é uma decisão do STF, proferida nos autos de certo processo, que será cassada, mas somente o ato de edição da súmula vinculante inconstitucional.

Através da sustação da súmula vinculante por decreto legislativo buscar-se-ia trazer uma maior igualdade nas relações de freios e contra pesos entre os Poderes levando-se em conta o quórum de aprovação do decreto, que é de maioria simples. Assim, a exigência não é tão grande quanto os 3/5 das emendas constitucionais, para falar apenas no quórum de aprovação.

Além do mais, tal Decreto poderia ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade. Caso julgada improcedente, o STF estaria reconhecendo seu erro inicial em ter aprovado uma súmula inconstitucional. Em outros termos: a palavra final ainda seria do Judiciário (como tem de ser numa Democracia), mas isso não poderia significar inércia do Legislativo, como muita gente por ai deseja. O papel do Legislativo, portanto, seria o de incitar o STF a reconhecer seu equívoco.

Deve-se reconhecer, no entanto, que, em sendo o decreto legislativo julgado inconstitucional pelo STF, não restaria outra alternativa ao Poder Legislativo a não ser editar uma emenda constitucional. Essa conclusão não retira o esforço argumentativo feito em torno da utilização do decreto legislativo, o qual tem sua utilidade, repita-se, também em face de suas formalidades mais simples para aprovação.

O princípio da separação dos Poderes passou de um dogma liberal exclusivamente voltado para a contenção do arbítrio para a moderna concepção de funções estatais ordenadas cooperativamente em busca de alcançar as finalidades públicas, dilatadas com o advento do Estado Social.

A autorização para edição das súmulas vinculantes, dada pelo próprio Poder Legislativo, foi vinculada a certos pressupostos. Em sendo eles ultrapassados, o Judiciário está legislando, pondo em risco a separação de poderes, cabendo ao Legislativo lutar por sua prerrogativa.

É claro que, como forma de manter a separação de Poderes, é necessário, diante deste estado de coisas, que o Poder Legislativo responda à altura e busque preservar sua competência constitucional. Assim, a máxima eficácia do 49, XI da Constituição autoriza a tese ora defendida, sendo possível ao Congresso Nacional sustar a súmula vinculante inconstitucional. Tal prática não se afigura atentatória à independência do Poder Judiciário, pois, na verdade, busca corrigir um deslize cometido por este. Também não se trataria de um novo mecanismo de anticontrole de constitucionalidade, pois não se cassaria um acórdão específico do STF, mas sim se suspenderia uma violação perpetrada por uma súmula vinculante que não obedeceu às condições constitucionais para sua edição. Finalmente, tal ato ainda poderia ser controlado pelo STF.

Há, portanto, uma concorrência de medidas aptas a superar uma súmula vinculante inconstitucional: 1) pedido de cancelamento ou revisão; 2) edição de lei; 3) edição de emenda constitucional; 4) edição de decreto legislativo.

Nenhuma delas é antidemocrática. Autoritário é pensar que o STF é um templo de legitimidade e que, necessariamente e sempre, o Congresso erra quando luta por suas prerrogativas.


[1] Art. 49. XI: “É competência exclusiva do Congresso Nacional: (…) XI- zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.”

[2]“Art. 96 – Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República.Parágrafo único – No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal”.

[3]MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo G. Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p, 170.

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